quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Sidarta

com raiva e com afeto
especialmente para a Bia


da grama limpa nem
digo, dos jardineiros contratados
a seiscentos reais por mês para dizer
com as mão ao mato que ele está
sujo, que precisa deixar de morrer e
ser podado sempre que num ameaço
crescer. as crianças devem viver em ambiente
saudável, apartadas de tudo que faça o
preconceito na classe parecer algo mais que
um decalque de qualquer outra coisa, vagamente
séria. o príncipe sidarta às dúzias protegido
dentro de casas, condomínios e de um colégio
que produz apenas crédito e conforto, solto
num vento de rasas palavras. do outro lado
da rua, encontramos o maior templo budista
da américa latina, forjado em mármore e
dólares de taiwan, para lembrarmo-nos sempre
que a fome do buda foi muda, sozinha e vã.
nem digo do assédio e de outros termos jurídicos.
nem digo do sorriso compulsório e da alegria
que colore as paredes dos seus prédios, seus estandes
de chá, como se nada, antes, tivesse passado
por lá, e o passado, sempre cambiante, pudesse ser
expulso, apagado, refeito, retalhado, demitido
a cada olhar que assustado encontra no lixo jogado
pedaços
do que um dia foi sino.
não digo da bruta beleza, não digo do belo
escondido, não desperdiço as letras para
avisar dos macacos e da revoada de pássaros
que não deixam ver as faxineiras à noite tendo
suas bolsas revistadas e roubadas à beira da raposo.



mas digo, e disso direi:
o dia faz calor e faz frio.
a estrada vai como vem.
as vozes tecem um fio:
quem padece da corda é o rei.



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